quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Vocês realmente precisam ver esse filme!

Era uma tarde comum de certo modo. De diferente, talvez a pequena quantidade de carros tão comum às 17h em Fortaleza. Engarrafamento? Talvez de 15 minuto. Um luxo. Depois de uma agendada atividade inadiável seguimos sem freios para o oásis de nossas angústias. Fugimos dos nossos corpos e vivemos a vida alheia descaradamente. A vida alheia de quem, na maioria das vezes, nunca existiu. Mas só isso já nos fez bem.

A mágica da vida se revela nas telas do cinema. O objetivo era ver o tão esperado filme com a (por mim considerada!) a maior atriz da vida: Meryl Streep, "Álbum de Família". Poxa, a sessão era às 21h45, ia ficar tarde. A realidade acorda cedo e o corpo que quer sonhar tem que acordar.

Que tal "O Lobo de Wall Street"? Scorsese, DiCaprio, pode ser uma boa pedida. 21h30! Não era mesmo o dia.

- O que temos pra essa hora? Passam um pouco das seis?

- Ah, tem esse filme aqui da sessão de arte. Francês. A Germana queria ver com a gente...

- "A Espuma dos Dias". Pode ser?

- É. Já que estamos aqui. - olhei pro mundo beeem emburrado. Todos conhecem o que é um ariano contrariado.



Adoro saber tudo, nos mínimos detalhes sobre o que faço. Se leio um livro, quero todas as informações básicas, curiosidades, contexto histórico... Não diferente ajo com um filme. E esse filme aí, não consigo decorar nem o nome.

Caí de cara em um Ovomaltine do Bob's para afogar as mágoas e vamos à sala 11, do lado de "Até Que a Sorte nos Separe 2". Algumas pessoas na sala e os trailers já indicando um bom francês durante a película.

Os primeiros minutos do filme produzido pela Pandora Filmes (e o rosto daquela moça misteriosa que dá medo!) me causaram, no mínimo, estranhamento. Muitas cores, máquinas de escrever, produção em série... quanta psicodelia. Aos poucos fui apresentado ao mundo de Colin (Romain Duris). Um bom vivant cercado de engenhocas engraçadas e amigos dos mais interessantes.

O mundo fantástico daquele homem parisiense nos traz diversas referências e símbolos, críticas disfarçadas em pratos com enguias e até um piano que faz cocktails, em predominante crítica à cultura norte-americana. Há uma dança diferente em que as pernas viram grandes varetas flexíveis que é muito divertida...

É preciso um pouco de paciência para chegar até o ponto em que o filme declara para que veio, quando Colin conhece em uma festa de um cachorro a doce Chloé (Audrey Tautou). Não tem como essa moça ser menos fofa?!

Daí o romance dos dois, que para no altar nos reserva lindas imagens e mais referências e simbologias existencialistas. O filme entrega nas nossas mãos o mistério principal, quando no alto de tanta alegria a jovem noiva descobre que tem uma flor-de-lótus no pulmão... A partir daí é com vocês.

O retrato que Colin faz do mundo, tão surreal, me arrebatou de uma maneira muito própria. Às vezes me sinto naquele mundo de engenhocas. Vendo tudo o que existe com um olhar mágico. Isso se apresenta como necessário. Dar vazão ao que parece tão real permite que fiquemos aqui um pouco mais. Suportando a dureza dos dias e sabendo imortalizar a beleza das alegrias.

Deparei-me no meio de sua casa por diversas vezes, até quando ela vai diminuindo de tamanho... O passar dos dias bons e ruins. Tudo isso acabou me fazendo tanto sentido... e também fará àqueles que parem alguns minutos para dar novos olhos ao óbvio.

Para quem ainda é mais inteirado em assuntos filosóficos, "A Espuma dos Dias" vale como uma crítica àqueles que se alienam. No caso, encontramos um personagem aficionado por correntes de pensamento que faziam moda no período em que se passa o filme (futuro e passado se confundem!): as teorias de Jean-Sol Partre e da Madame Dubovoir, ironizando Jean Paul Sartre e sua esposa, Simone du Beauvoir.

As cores vão sumindo e o filme termina completamente em preto-e-branco, dialogando com os sentimentos do jovem Colin no final da história. Deu nó na garganta...

Só no final me ative a rever o cartaz do filme. Baseado no livro homônimo de Boris Vian, sua obra-prima e dirigido por Michel Gondry (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças).

Como crítico de cinema, me acho um ótimo bebedor de cerveja. Mas garanto que essa obra foi uma das mais notáveis que vi nos últimos anos. Pela magia. Pelos efeitos sem a presença de computadores e bonecos digitalizados. Pelo artesanato. Pelo roteiro. É muito bom saber que ainda temos a criatividade, ousadia, que nos faz nos sentirmos crianças de novo. Vocês realmente precisam ver esse filme!

Trailer legendado:



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